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Disciplina e Limites: O que eu tenho para dizer?

Prof. Dr. Jaime Zorzi

Publicado em 07-06-2018 00:00:00

Pensar na questão de limites e de disciplina fez-me recordar, com clareza e intensidade , de uma experiência muito recente.  Estava realizando um programa de capacitação de professores do ensino fundamental, junto a uma secretaria de educação. Logo no primeiro dia, no início do curso, pergunto qual seria o problema de aprendizagem mais observado pelos professores: leitura, escrita, matemática, linguagem oral... Prontamente uma professora se levanta e, com a convicção típica dos grandes mestres, afirma que o maior problema do ensino é a falta de disciplina e de limites por parte dos alunos. Afirmava ela que esta situação os impede de aprender porque não conseguem prestar atenção na aula, não obedecem, conversam entre si, entram e saem, não respeitam as ordens e assim por diante. O professor perde a calma, grita, manda falar com a direção mas tudo continua o mesmo. E a culpa, obviamente, é dos pais que não educam nem dão limites.  Por parte da professora, essas eram as razões pelas quais os alunos não aprendiam e tinham baixo rendimento escolar. Obviamente, de minha parte, não houve como negar que estas questões têm um peso fundamental no aprendizado.

            Porém, os fatos que se sucederam nos vários dias que durou o treinamento foram muito ilustrativos, infelizmente. Essa mesma professora sempre chegava atrasada para nossas aulas, sempre “precisava” ir embora mais cedo,  era a que mais mantinha conversas paralelas em sala de aula, apesar das constrangedoras advertências que fui obrigado a fazer. Era a que mais falava no celular e era a que mais entrava e saia. Confesso que precisei manter a calma, muita calma. Porém, para tantos “mais”, também havia alguns “menos”. Aponto alguns: esta era a pessoa que menos prestava atenção e, seguramente, era a que menos aprendia e, seguramente, era a que menos tinha condições de ensinar, exercer autoridade e impor limites. Estas eram propriedades que estavam ausentes de seu ser. Como alguém que não tem pode dar? Não era de estranhar, portanto, que se queixasse da falta de limites e disciplina de seus alunos.  Talvez eles fossem um reflexo de seu comportamento.

            Continuarei na mesma linha de análise. Resido próximo de uma escola particular e bem conceituada. O acesso para o estacionamento, nos fundos dessa escola,  é feito por uma rua de mão única e bem sinalizada. Uma placa, indicando a direção obrigatória está ali, bem em frente ao portão do estacionamento. Porém, na hora das saídas, pode-se ver, todos os dias, um grande número de professores, com crianças dentro de seus carros, entrando deliberadamente na contra-mão, pondo em risco os carros que estão trafegando regularmente, para alcançar, um quarteirão adiante, uma outra rua e irem embora. Pergunto-me: que autoridade essas pessoas têm para falar em limite e disciplina? Que exemplos estão dando?

            O que dizer quando, para deixar os filhos na escola, mamãe ou papai param em fila dupla, atrapalhando todo o trânsito e se sentindo ofendidos quando alguém reclama desta falta de limites? Que modelos estão sendo passados para as crianças que observam estas cenas diariamente? Já vi algumas delas fazendo gestos obscenos para motoristas que se queixaram. Ou, aquela vaga de estacionamento destinada a idosos ou pessoas com problemas de locomoção e que nós ocupamos com a desculpa de que é “Só por um pouquinho”.

            Esta história de “pouquinho” fez-me lembrar da mãe de uma criança que era minha paciente, e que tirava a paciência de qualquer um. A diretora havia mandado uma carta de advertência porque a criança resolveu promover uma batucada em plena aula, usando sua carteira para tanto. A mãe sentiu-se indignada pois seu filho havia dito para ela que só havia batucado “um pouquinho” e que a professora era implicante com ele. Não tenham dúvidas, ela foi “tirar satisfação” na escola.

            Pois é, vivemos na era do “só um pouquinho”: podemos chegar atrasados; podemos batucar em sala de aula; podemos falar no celular durante um curso; podemos conversar paralelamente atrapalhando os outros; podemos estacionar em locais indevidos; andar na contra-mão e muito mais, desde que seja “só um pouquinho”.

            Lamentavelmente, uma grande parte dos problemas de limites e de disciplina que observamos em nossas crianças reflete problemas que nós, como adultos, criamos na forma de modelos de comportamentos. Vivemos uma sociedade que precisa ser repensada nestes termos. As crianças seguramente agradecerão e serão mais felizes: limite e disciplina são condições necessárias para uma vida mental e social saudáveis.

            Mais do que as palavras, são as atitudes que mais impressionam as crianças. 

 

Criança vê... Criança faz... Igual ou pior.

           


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