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Atenção e memorização: Fica atento quem compreende e memoriza quem entende.

Dr. Jaime Zorzi

Publicado em 27-06-2018 00:00:00

Inúmeros são os estímulos e informações que chegam até os nossos sentidos, a todo o momento. Imagens, sons, odores, sensações táteis, sensações do próprio corpo e até mesmo os nossos pensamentos. Somos como que bombardeados por dezenas ou centenas de estímulos simultâneos. Nosso corpo não consegue responder a todos eles, ao mesmo tempo. Portanto, haverá uma competição e vencerá aquele que conseguir despertar e prender a atenção.  A atenção, desta forma, funciona como uma espécie de filtro, selecionando a entrada de algumas informações e inibindo o processamento de outras. Mas, por sua vez, a atenção não é uma atividade autônoma, que decide, por si mesma, o que chegará ou não até nós. O comando deste processo passa pela análise de fatores de natureza cognitiva e emocional que geram a motivação e o interesse os quais, por sua vez, influenciam fortemente o foco da atenção.

 

Em poucas palavras, muitos dos estímulos que nos atingem, prenderão ou não nossa atenção por mais tempo, dependendo do quanto possam ser julgados como interessantes, motivadores ou necessários. Porém, para que recebam o status de motivadores, tais estímulos precisam gerar significados, necessitam ativar processos de compreensão. Enfim, precisam fazer algum sentido. Um estímulo ou informação nova, mas que não constrói sentidos, dificilmente permanecerá no foco da atenção. Consequentemente deixará de ser processado. A atenção, por esta razão, tenderá a se prender em outros elementos.

           

Vamos nos imaginar ouvindo uma conversa sobre um tema não muito familiar e que, apesar de nosso interesse e do esforço que fazemos para compreender o que está sendo dito, muito pouco conseguimos assimilar. Tudo parece muito complicado e cada vez mais difícil de seguir. Por quanto tempo nossa atenção continuará fixada nesta situação? Conseguiremos mantê-la até o fim ou nos ocorrerá uma vontade quase incontrolável de ir ao banheiro, de beber água, de levantar, de fazer alguma outra coisa? A resposta não é difícil. Todos nós já tivemos este tipo de experiência e, como sabemos, nossos pensamentos caminharão para muito longe dali. Nosso corpo pode estar presente e nossos olhos podem estar pregados em quem fala, mas nossa atenção e nossas idéias estarão muito distantes. As palavras passarão a soar, como um ruído, de fundo.

 

Podemos descrever a sucessão de fatos no exemplo acima: motivação ou interesse para ouvir algo sobre um determinado assunto > dificuldades para compreender o que está sendo dito > esforço para manter a atenção > queda do interesse / motivação > perda da atenção > não aprendizagem > não memorização. Em síntese, como não houve compreensão, tampouco haverá aprendizagem. Assim sendo, não ocorrerá a retenção ou memorização daquilo que foi ouvido, mas não compreendido. E o que é pior, em razão dos efeitos negativos gerados por tal situação, passaremos a “detestar” o tema em questão, qualquer que seja ele.

 

O exemplo acima pode ser transposto para a rotina escolar das crianças com dificuldades de aprendizagem. A todo o momento elas correm o risco e terem o processo de motivação / atenção / retenção quebrado em razão dos problemas de assimilação, ou seja, de não ficar muito claro, para elas, o que está sendo ensinado. Como vimos, a não compreensão de uma situação leva, conseqüentemente, à desmotivação, à dispersão, ao desinteresse e mesmo à recusa de tal tipo de atividade. Os mesmos comportamentos podem ocorrer em casa, na hora da lição.  Não são raros os depoimentos de pais afirmando que a hora da lição é a hora da luta, do confronto e, em geral, de um desgaste que, além de não levar a nada, tende a agravar o problema.

 

O ponto central, nestes casos, é o de tornar realmente compreensível o que está sendo exposto, e isto pode significar mudanças ou ajustes no programa e ou na forma de ensinar. Somente na medida em as coisas comecem a fazer algum sentido, do ponto de vista cognitivo e ou afetivo, a motivação, o interesse e a atenção serão devidamente ativados, permitindo a aprendizagem.

 

Por outro lado, nem tudo o que aprendemos, necessariamente acabamos memorizando. A memória apresenta vários aspectos em sua formação. Primeiramente, existe o momento em que algo novo é incorporado, como uma informação, um conceito, um novo conhecimento. Esta informação, dependendo de sua função, poderá ficar retida somente por um pequeno período de tempo, sendo depois descartada. Isto acontece porque não precisamos ficar guardando tudo o que vemos ou vivemos. A memória é seletiva. Por esta razão fala-se em memória de curto prazo, ou de trabalho, na qual as informações são conservadas por períodos curtos de tempo e depois apagadas, possibilitando a entrada de novas informações. Por exemplo, ligamos para um restaurante a fim de confirmar uma reserva. Conseguimos o número do telefone, discamos e somos atendidos. Provavelmente, esse número de telefone, que ficou em nossa lembrança por um tempo muito pequeno, venha a ser apagado, pois não terá mais uso. Não há razão para conservá-lo por tempo mais prolongado. Muito provavelmente, se novamente precisarmos ligar para o mesmo restaurante, não teremos o número disponível em nossa memória.

 

 Há outros conhecimentos que adquirimos e que até mesmo temos interesse e motivação para conservar, como por exemplo, informações a respeito de como usar um determinado equipamento. Somos orientados a usá-lo em todas as suas funções e, até mesmo conseguimos operá-lo. Porém, se não fizermos uso freqüente dele, tais informações também tenderão a cair no esquecimento e, se quisermos operá-lo novamente, teremos que consultar seu manual.

 

Isto significa que, além da motivação e do interesse, um novo conhecimento, para poder ser conservado por prazos mais longos e se tornar uma aprendizagem mais duradoura, terá que ser armazenado na forma de memória de longa duração. Para que isto aconteça, a prática, ou aplicação constante do novo conhecimento, desempenha um papel muito importante.

 

Podemos tirar lições desta forma de funcionar da aprendizagem e da memória. Como ponto de partida, o que nos propomos a ensinar deve fazer sentido para a criança, para que ela possa se sentir motivada e com condições de aprender o que lhe está sendo apresentado. Sua atenção e interesse poderão ganhar uma nova dimensão e gerar novos conhecimentos. Além do mais, para que possa haver uma memorização de mais longo prazo, tais conhecimentos devem ser sistematicamente aplicados, ou seja, devem ser criadas situações que demandem o emprego das novas habilidades que a criança está adquirindo. Esta aplicação, por sua vez, pode ajudar a criança a se sentir mais capaz frente a novos desafios, reforçando sua autoestima e seu sentimento de que, realmente, está aprendendo.

 

 


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